O sol escalda o meio da manhã em Ponta Porã, tingindo com intensidade o horizonte com tons de amarelo ardente, enquanto uma brisa seca varre a estrada de terra com o som distante de pássaros.
Cerca de uma hora após o café da manhã, Aparício, o capataz de traços rudes e cabelo ondulado, entra na cabine de uma caminhonete picape Brasil, acompanhado por Madm e Amada. Na carroceria, Luk, Healer, Bebeto, Menslike e Nokram acomodam-se entre caixas e sacos, os corpos balançando com o movimento inicial do veículo.
Luk, ajustando-se entre as bagagens, indaga com um tom desconfiado:
— Não dá multa, a gente andar aqui atrás?
Menslike, com um sorriso irônico, responde:
— Estamos em outra época, outro mundo, as coisas aqui são diferentes.
Bebeto, empolgado, balança as pernas curtas e acrescenta:
— Eu, que vivi pouco, andava em carroceria de carros. Sério que vocês nunca andaram?
— Eu andei, mas eram tempos difíceis. — Admite Menslike, a voz carregada de nostalgia.
Healer, franzindo a testa, enfatiza com firmeza:
— E ilegal!
Na cabine, Madm e Amada observam uma barreira policial à frente, uniformes cinzas destacando-se contra o pó da estrada. Amada, segurando a mão de Madm, indaga em voz baixa:
— Não corremos risco de implicarem conosco por não termos documentos e termos esse pessoal atrás?
Aparício, confiante, vira-se com um riso curto:
— Esse carro é de Thomaz Muller. Você acha que algum policial militar ousaria desafiá-lo?
A caminhonete desacelera e um policial alto, de pele morena clara e postura rígida e um tradicional bigode grosso e preto, com traços reminiscentes, acena:
— Ah, desculpe-me, pode ir.
— Viu! — comemora Aparício, batendo no volante.
Contudo, um apito cortante ecoa e um homem de uniforme impecável, com cabelo negro e feições angulares, se aproxima, com a voz firme:
— Bom dia, Capitão William. Já fomos liberados. — Diz Aparício, tentando manter a calma.
— Eu percebi como vocês foram liberados, mas quem são seus convidados? — pergunta William, os olhos estreitando-se.
— São amigos queridos do Sr. Thomaz Muller, o senhor Madm, sua esposa, Amada, e seus familiares. — Responde Aparício, hesitante.
Madm estende a mão em cumprimento, mas William corta:
— Vocês podem me passar sua documentação?
— Ah, é, eles… vocês podem passar a documentação? — Gagueja Aparício, perdido.
Madm e Amada trocam um olhar silencioso. William repete, impaciente:
— Vocês ouviram o que eu disse?
O silêncio pesa e Madm, respirando fundo, confessa:
— Estamos sem documentação.
— Sem documentação? Então, vocês podem descer? — ordena William.
Madm e Amada saem da cabine, enquanto dois policiais os cercam. Um terceiro, aquele que o parou e liberou no primeiro momento, aproxima-se da janela para falar com Aparício. William contorna o veículo e ordena ao grupo na carroceria:
— Desçam também. Vocês são de onde?
Madm hesita, olhando para Amada, e decide:
— Dessa região mesmo.
— Me passe seu nome completo para eu checar. — Insiste William.
Madm, após um instante, corrige:
— Tony Madm, mas não somos daqui.
William franze a testa:
— Desculpem-me! Eu entendi errado. Achei que tivessem dito que eram dessa região.
Amada abraça Madm, tentando apaziguar:
— Nós que queremos nos desculpar. Somos desta região, mas não somos daqui. Estamos retornando agora e sem documentos.
Madm completa, com cautela:
— Na verdade, somos dessa região, mas não somos daqui. Somos de outro lugar que é semelhante a esta região.
William, irritado, indaga:
— Vocês estão caçoando de mim?
Aparício deixa a cabine, intercedendo:
— Algum problema?
— Todos! Os amigos do seu patrão estão sem documentos e terão que me acompanhar. Vou levá-los à delegacia. — declara William.
— Eles cometeram algum ilícito? — pergunta Aparício.
— Eu não sei, mas parece que perderam o documento. Isso tem que ser registrado na DP, correto? — propõe William.
— Está correto. — Concorda Aparício, relutante.
— Vocês podem me acompanhar. — Diz William, gesticulando.
Madm e Amada pegam suas coisas, enquanto William ordena:
— Anderson, Swan, convidem os outros três companheiros a os acompanharem e me sigam em outra viatura.
Aparício toca o ombro de Madm, sussurrando:
— Vou avisar o Sr. Muller. Fiquem tranquilos, tudo vai terminar bem.
O Capitão William entra na viatura, com Madm e Amada no banco de trás e Menslike à frente. Nokram junta-se aos pais. Luk, Healer e Bebeto seguem em outra viatura com Anderson e Swan.
Na viatura onde William se encontra, ele avisa:
— Vou deixá-los à vontade, mas se tentarem fugir, serão tratados como bandidos. Imagino que não colocarão a reputação de Thomaz Muller em risco.
Enquanto a viatura se afasta, Aparício troca palavras com o Sargento alto, do bigode grosso, dizendo:
— Exatamente como prevíamos, Sargento Refúgio. Muller terá que tirar esse capitãozinho do batalhão urgente, mas, por ora, ele fez exatamente o que precisávamos. Agora vamos descobrir quem são esses de verdade.
— Com todo respeito, existem outras formas do Sr. Muller puxar a capivara dos dois — Pontua o sargento.
Aparício, subindo na caminhonete, acrescenta:
— Se eles forem inocentes, William se ferra. Se forem culpados, vamos ferrar o William da mesma maneira.
O motor ruge e a picape retorna à fazenda, deixando um rastro de poeira no ar.