Oceano Pacífico, Leste dos Estados Unidos, quinta-feira, 28 de março de 1963, no calendário católico.
O cruzeiro Gambit desliza pelas águas calmas do Pacífico, o sol ilumina a tarde com reflexos dourados na superfície, enquanto o convés ecoa com risadas e taças tilintando.
Lotado de pessoas ricas de diversos países, o navio esbanja luxo com seus salões adornados com cristais e mármore. Robert Queen, de terno impecável, recebe elogios constantes. Uma mulher, com sotaque francês marcante, aproxima-se com um sorriso:
— Parabéns pelo trabalho, Sr. Queen, são as melhores férias que eu poderia imaginar!
Ele acena com gratidão, mas seus olhos carregam uma sombra de preocupação. Enquanto isso, em um quarto privativo, Sara e Oliver aproveitam um momento a sós, os corpos entrelaçados com o balanço suave do navio. Após alguns beijos, Sara recua com o rosto endurecendo. Oliver franze a testa com a voz suave, mas inquisitiva:
— O que foi? Não está gostando?
— Estou! Você é maravilhoso! É que eu lembrei da Dina. — Responde Sara, com os olhos baixos, a voz tremendo ligeiramente.
— Esquece ela, ela poderia estar aqui se divertindo com a gente. — Comenta Oliver, tentando aliviar o clima com um sorriso.
— Olie, toma vergonha, se ela estivesse aqui, eu não estaria. — Retruca Sara, com o tom cortante.
— Você não está! Está em um acampamento com o pessoal da igreja. — Ironiza ele, rindo baixo.
— Seu besta! — Diz ela, rindo de si e beijando-o novamente.
Fora do quarto, o som de motores abafa o mar. Dois submarinos com casco de aço escuro e periscópio retrátil, típicos de organizações paramilitares, emergem das profundezas.
Dezenas de encapuzados saem, escalando com cordas e ganchos, invadindo o navio do cruzeiro. Armados com espadas curvas, shurikens e pistolas de cano curto, eles avançam com precisão. Uma jovem moça, encapuzada, ergue um revólver ao alto e grita:
— Todos ao chão! Isto é um assalto!
— Todos ao chão! Isto é um assalto! — repete um homem, com a voz ecoando pelo salão.
O pânico explode, passageiros se jogando ao chão, joias e dinheiro sendo arrancados com brutalidade. Nos quartos, os assaltantes arrombam portas, atacando quem resiste. O barulho de gritos e tiros ecoa, levando Oliver a abrir a porta. Ele é imediatamente rendido e arrastado por dois homens para o salão principal.
No quarto, uma moça encapuzada entra e encontra Sara nua, as mãos erguidas em rendição. Dois homens ao lado apontam armas. A moça ordena, firme:
— Saiam daqui, levem todos para o salão principal!
— E a garota? — Indaga um deles, hesitante.
— Eu a levo! — Diz ela, a voz autoritária.
Os homens saem e ela fecha a porta, retirando o capuz. Seu rosto jovem, com olhos penetrantes, revela-se. Ela diz, com suavidade inesperada:
— Coloque uma roupa, ninguém vai violar sua índole!
— Obrigada! — Agradece Sara, vestindo-se apressadamente.
Enquanto se veste, a moça pergunta, curiosa:
— Você tem quantos anos?
— 16. — Responde Sara, ainda trêmula.
— Eu tenho 14. — Revela a moça, pausando antes de continuar: — E você namora o playboy.
— Não. — Responde Sara, hesitando. — Quer dizer, sim! — Corrige-se, pensando por um momento. — Na verdade, não, ele namora minha irmã. — Ela respira fundo, com a voz quebrando. — É uma longa história, você vai me matar?
A garota caminha e senta-se ao lado de Sara, o olhar sério, mas compassivo:
— Não, eu vim te salvar. Meu nome é Nyssa! Nyssa Al Ghul!
No salão, encapuzados amordaçam e cobrem as cabeças das vítimas, enquanto outros coletam joias de ouro, relógios caros, roupas finas e até comida. Nyssa cochicha a um subordinado:
— Levem Robert para o submarino 1 e Sara para o submarino 2, onde eu estarei.
— E quanto ao garoto? — Indaga o homem.
— Ele merecia morrer, mas parece que Malcolm tem algum tipo de carinho por ele. Então leve-o para o bote. — Ordena Nyssa, em tom frio.
Sara e Robert são equipados com respiradores e levados aos submarinos. Oliver é colocado em um bote com as mãos amarradas aos remos. Um assaltante remove seu capuz, apontando para uma ilha distante:
— Está vendo aquela ilha, garoto?
— Sim! — Diz Oliver, com o medo sufocando sua voz.
— Esse navio vai explodir em 15 minutos. Você pode ficar parado aqui e morrer com todos que estão aí ou remar até a ilha e sobreviver. Vida e morte estão à sua disposição!
Oliver, com as mãos presas, começa a remar com dificuldade.
Quinze minutos depois, explosões ecoam. Ele pensa em voltar, mas desiste, acelerando. Chegando à ilha, nota um objeto cortante na ponta do remo. Com esforço, corta a corda, soltando-se, e olha o navio naufragando.
— Não, não naufraga, senão ninguém virá me resgatar! — Lamenta, a voz carregada de desespero.
Enquanto isso, em um dos submarinos, Nyssa encontra Sara amarrada e encapuzada. Ordena que todos saiam, fecha a porta e remove o capuz e a fita da boca de Sara:
— Como você está?
— Como você acha? Vocês mataram todos! Roubaram todos! — Responde Sara, sua raiva se mistura com lágrimas de dor e remorso.
— Você está morta? — Pergunta Nyssa, calma.
— Não, mas o que adianta eu ter sobrevivido? Como vou voltar para minha família? Todos vão saber que eu estava com Olie. — Lamenta Sara.
— Exatamente! Não tem volta! Você pode se lamentar ou aceitar seu destino e o fato de que eu te salvei. — Propõe Nyssa, com tom firme.
— Como assim? — Pergunta Sara, confusa.
Nyssa senta-se ao lado, respirando fundo:
— Eu fiz um teste para ver o tamanho do amor ou dignidade de seu namorado. Deixei-o amarrado em um bote, e um de meus homens ordenou que remasse até a ilha. Um homem com dignidade morreria com seu pai ou tentaria de toda forma te salvar, mas ele apenas remou, covardemente.
Sara chora em silêncio, e Nyssa a desamarra, abraçando-a:
— Ele vai morrer!
— Vai, mas você pode sobreviver, se ficar comigo e confiar em mim. Como você disse, sua família jamais perdoará sua traição, mas comigo, você será sempre protegida. — Promete Nyssa.
Com medo, Sara olha nos olhos de Nyssa, sentindo um desejo implícito. Pensa: “Se eu não fizer exatamente o que ela quer, vou morrer como todos os outros.” Então, reclina a cabeça no seio de Nyssa:
— Você não vai me abandonar como fez o Oliver?
— Eu morreria com você, mas jamais deixaria você morrer sozinha! — Promete Nyssa, o tom solene.
Ponta Porã, um dia depois, manhã de sexta-feira, 29 de março de 1963 no calendário católico, 4º dia dos Escolhidos e Enviados na nova realidade.
Na casa de Muller, a sala de refeições, de madeira rústica, exala um ar tenso. Thomaz Muller, de punho cerrado, bate na mesa ao ouvir as notícias sobre William.
— Eu não acredito! Isso só pode ser sacanagem! — Reclama, diante de sua esposa Jady, a governanta e os capatazes Faustão e Duck.
Jady, com os olhos curiosos, indaga:
— Você acha que aqueles sete que visitaram sua fazenda podem ser realmente anjos de Deus?
— Claro que não! Tudo isso deve ser uma farsa! — Retruca Muller, com voz cortante.
Faustão, hesitante, interrompe:
— Mas, senhor, a esposa do Sr. William foi curada, ele ganhou na Mega Sena. Nós mesmos o vimos com seus corpos brilhando.
Irritado, Muller se levanta, apontando o dedo:
— Você não é pastor? Acaso a sua Igreja ensina práticas judaicas ignorando Jesus como deus, guardando o dia de descanso dos judeus, aquele povo que matou Jesus e negando a divindade de Jesus, o nosso deus?
Faustão gagueja, sem resposta. Duck corta o clima, sério:
— Senhor, temos outro problema para resolver, mas eu queria te passar em seu escritório.
Jady, desconfiada, olha para os dois:
— Existe algo que eu não possa saber?
Muller percebe a tensão e diz, firme:
— Depois vocês me contam, e parem de insinuar que eu escondo algo de minha esposa!
Casa de William.
Nesse ínterim, na casa de William, a cozinha de paredes brancas exala o cheiro de café fresco. Todos se reúnem cedo para o café da manhã, o som de talheres ecoando suavemente. William, de pé, anuncia:
— Hoje eu volto aos serviços, mas vocês estão em casa, fiquem à vontade! — Diz, tratando os sete escolhidos e enviados como Apóstolos de Deus.
Madm abaixa a cabeça, pensativo, e pergunta, com voz calma:
— Sr. William, o senhor disse ontem, quando chegou, e repetiu quando se preparava o churrasco, que seguiria todos os ensinos das Escrituras que conhecemos. O senhor pretende realmente fazer isso, ou foi uma espécie de hiperbolismo em gratidão?
William franze a testa, a preocupação marcando seu rosto:
— Existe alguma outra coisa que não saibamos, ou que fazemos que irrita a Deus?
Madm olha para sua esposa, filhos, sobrinho e irmãos, escolhendo as palavras com cuidado:
— Existem sim outras coisas, outros mandamentos que são fundamentais para vocês conhecerem.
— Tipo o quê? — Indaga Let, inclinando-se para frente.
— Por exemplo, vocês sabem que a Bíblia nos orienta a separar o sétimo dia da semana? — Questiona Amada, com tom sereno.
— Sim! Desde criança, aprendemos na catequese que o domingo é um dia que deve ser separado para a família, para a Igreja, não devemos trabalhar nele. — Comenta William, confiante.
Amada o interrompe, com voz firme:
— Não! Na verdade, as Escrituras falam que o sétimo dia é a shabat e não o domingo.
— Como assim? — Pergunta Let, surpresa.
— Na verdade, a shabat da Bíblia começa ao pôr do sol de sexta-feira e termina ao pôr do sol de sábado. — Explica Healer, pausando para deixar as palavras assentarem.
Madm prossegue, refletivo:
— Exatamente! O período semanal que Deus escolheu para pararmos nossas atividades e repousarmos, buscando nos relacionarmos com Deus, em hebraico, shabat, aportuguesado do latim, sábado, não é no dia que os católicos chamam de domingo e sim no sétimo dia da semana, que dura do pôr do sol do dia que os católicos chamam de sexta-feira até o pôr do sol do dia que os católicos chamam de sábado, ou seja, hoje a partir do pôr do sol.
Let, William e Ângela se entreolham, perplexos. Amada continua:
— Apesar de os católicos defenderem que o domingo seja um dia para a família, nem mesmo o domingo eles guardam. É certo que o trabalho comercial e contínuo é evitado pelos católicos no domingo, mas eles não repousam como as Escrituras ensinam.
Nokram acrescenta, com calma:
— No Yom shabat, dia de cessação, não devemos fazer nem um tipo de trabalho, nem comercial, nem em casa, até mesmo o que comemos no shabat deve ser preparado antecipadamente.
William se levanta, pega uma Bíblia católica, versão Ave Maria, e declara:
— Já sei! Vou ler nas Escrituras!
— Êxodo 20, do versículo oitavo até o décimo primeiro. — Orienta Madm, com tom sereno.
William lê, em voz alta, as palavras ecoando:
— “Lembra-te de santificar o dia de sábado. Trabalharás durante seis dias, e farás toda a tua obra. Mas no sétimo dia, que é um repouso em honra do Senhor, teu Deus, não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu servo, nem tua serva, nem teu animal, nem o estrangeiro que está dentro de teus muros. Porque em seis dias o Senhor fez o céu, a terra, o mar e tudo que neles há, e repousou no sétimo dia; e, por isso, o Senhor abençoou o dia de sábado e o consagrou.” Após a leitura, ele pausa, pensativo: — Quer dizer que a Igreja não nos ensina as Escrituras. Por que isso?
Madm responde, a voz pausada:
— A Igreja Católica surgiu cerca de 300 anos após a morte e ressurreição de Yeshua, o Masshiach, aquele que na sua Bíblia é chamado de Jesus, como resultado de um concílio que tentava unificar as crenças cristãs, que divergiam de região para região. Por isso, o Bispo de Roma foi colocado acima de todos os outros bispos e conclamado pai da Igreja. A Bíblia fala que devemos adorar um só Deus, ele é uma pessoa, o nome dele é Yhwh! Já a Igreja Católica entende que Deus é uma Trindade, a união de três pessoas coesas entre si, denominados Pai, Filho e Espírito Santo.
— Eu nunca gostei da Igreja Católica, sempre preferi a anglicana. — Diz Let, cruzando os braços.
— A Igreja Anglicana tem doutrinas semelhantes à católica de Roma, ambas representam a Trindade com a letra “t”, que muitos acreditam ser uma atribuição à cruz de Cristo, mas, na verdade, era um símbolo a Tamuz, um falso profeta e falso deus da antiguidade, filho de Shemyramís. Na verdade, o Imperador Constantino, talvez o principal responsável pela criação da Igreja Católica, teve uma visão de um standard em forma de chi-rho, pouco antes da batalha da unificação de Roma, que ele venceu e acreditou que o standard era uma visão do Cristo. — Explica Madm, pausando para deixar o peso das palavras.
Luk acrescenta, refletivo:
— Esse símbolo depois foi convertido em “t”, em sincretismo religioso às religiões que anteriormente criam na divindade de Tamuz.
— Que surpresa! — Dispara William, os olhos arregalados.
— Para você ter uma ideia, na Igreja Católica, as pessoas adoram imagens e pessoas que morreram como se estas estivessem no céu. — Acrescenta Healer, a voz calma.
— Como assim? Quer dizer que nós não podemos rezar para a Virgem e para os santos intercessores? — Indaga William, com voz hesitante.
— Se as Escrituras são a verdade, e eu creio que elas contêm a verdade, Deus disse a Mosheh no monte Horeb que somente ele deveria ser adorado e os apóstolos ensinavam que Yeshua, que morreu, mas ressuscitou, é o único intercessor entre nós e Deus, nosso verdadeiro Pai. — Explica Healer, pausando para observar as reações.
Os olhos de William demonstram surpresa, e Ângela e Let também se mostram espantadas, um silêncio pesado preenche o ar até que Amada prossegue:
— Quanto aos santos, a palavra Sanctus advém de um deus latino, ou seja, Santo nunca teve nada a ver com o Deus da Bíblia.
— Mas a palavra santo está na Bíblia, acabamos de ler que o sábado é santo! — Enfatiza Ângela, confusa.
— Sim, mas isso é por causa de tradução que traduz kadosh, do hebraico, para santo, quando, na verdade, deveria ser traduzido por separado, e shabat, por sábado, quando deveria ser traduzido por parada ou cessação. — Comenta Amada, pausando para deixar a ideia assentar.
Let sente o clima tenso e tenta descontrair, sorrindo:
— Eu nunca curti ser católica! Por mim, eu deixo a igreja hoje mesmo!
— Eu não posso lhes pedir isso, mas eu gostaria de convidá-los a buscar juntos a verdade nas Escrituras, e praticarmos o que formos aprendendo. — sugere Madm, com voz cheia de compaixão.
— Eu estou completamente de acordo! — Diz William, pausando antes de continuar: — Se a Ângela estiver de acordo, a partir de amanhã, todos do portão para dentro, nesta casa, separarão o shabat, e tudo que as Escrituras ensinarem!
— Claro! — Diz Ângela, assentindo.
— Eu quero aprender tudo sobre isso! — Comenta Let, entusiasmada.
— Nós queremos! — Acrescenta Ângela.
William faz um pedido, hesitante:
— Amada e Let, vocês podem auxiliar a Ângela a preparar tudo para santificar… — Ele pensa, corrigindo-se: — … Separarem o shabat, a partir de amanhã?
— Claro! — Responde Ângela, sorrindo.
— Hoje, ao pôr do sol! — Pontua Healer, com precisão, sobre o início do dia segundo as Escrituras.
Let, no entanto, surpreende, pensativa:
— Então, eu quero obedecer a Deus e guardar o sábado, mas hoje tenho aula com meu aluno em Amambai, à tarde, então preciso da camioneta. Prometo voltar antes do sol se pôr.
Ouvindo isso, Amada diz, tranquilizando:
— Não se preocupem, eu ajudo Ângela.
Luk acrescenta, com um leve sorriso:
— Healer e eu também, somos ótimos cozinheiros, sabia?
Todos se espantam, e Healer ri baixo:
— Luk tinha um restaurante kosher e uma pizzaria judaica na nossa antiga realidade, antes de começar a perseguição.
William então acrescenta:
— Vou convidar os amigos da corporação e vizinhos para também conhecer sobre o Yom Shabat, hoje… — Diz ele, em tom amistoso e brincalhão, olhando para Healer… — Ao pôr do sol.